AIDS, Camisinha e Promiscuidade
Diante do recente Dia Mundial de Combate à AIDS, resolvi narrar um fato e tecer alguns comentários a respeito do assunto.
Sabemos que, hoje, o principal meio de transmissão do vírus da AIDS é o sexo, já que as outras formas de contato capazes de gerar contágio já não representam um número elevado nas estatísticas de transmissão do vírus. Sabemos também que a propaganda de prevenção à AIDS gira em torno do tema "use camisinha".
Pois bem. A primeira coisa que nos vem à cabeça quando vemos uma propaganda "use camisinha" é: "Tudo bem. Se eu usar camisinha eu não vou pegar AIDS". Essa é a premissa divulgada amplamente pela mídia, especialmente pela TV em programas direcionados aos jovens (MTV, Malhação, etc.).
Ocorre porém que, como todo estudante de publicidade sabe, atrás da afirmação "use sempre camisinha" está implícita outra afirmação, anterior àquela, que é "Transe com quem e quando quiser" MAS "use sempre camisinha".
Acontece que o sexo seguro ou responsável não pode ser tido como somente o sexo com camisinha. Não são sinônimos. O sexo seguro ou responsável é aquele onde duas pessoas que se conhecem com o mínimo de profundidade e intimidade, que já possuem afetos recíprocos e que sabem do grau de risco que cada uma representa, mantêm relações sem prescindir do uso da camisinha. Essa deveria ser a premissa.
Não é o que acontece.
Há alguns dias, um fato em especial me deixou preocupado. Preocupado com o futuro dos adolescentes da cultura da camisinha. Uma menina – afinal, 13 anos é uma menina – manteve relações sexuais completas (lembrei-me do Bill Clinton...) com 17 (dezessete!!) meninos de uma única vez! Tudo isso dentro das dependências da escola onde estuda. Segundo a própria menina informou à direção da escola e ao Conselho Tutelar, ela teve relações com um dos colegas, que contou pra outro, e depois com outro, que contou pra outro... até o ponto em que muita gente soube que ela era "fácil". E diferentemente do que eu pensei de início ela não foi chantageada para suportar os dezessete. Fez tudo porque quis!
E o que é pior. Quando instada sobre os riscos, sobre os problemas que poderiam advir dessa atitude promíscua, ela afirmou: "Não tem problema, eu usei camisinha".
Ora, será que a moral está tão deturpada assim? Será que não seria o caso de restabelecermos valores mínimos de respeito ao corpo e aos sentimentos, para então propalarmos o uso da camisinha como acréscimo a isto?
Não nos enganemos. O fato é que a grande maioria da população não tem a mínima auto-estima para dar valor e dignidade a si e ao próprio corpo, como também não tem cultura e desenvolvimento intelectual – que é diferente de inteligência, que todos têm – para discernir sobre isto. Para eles, tudo pode, até serem promíscuos, desde que se "use camisinha".
A propósito disto, transcrevo abaixo um brilhante artigo do filósofo, escritor e colunista Olavo de Carvalho, extraído de seu site http://www.olavodecarvalho.org/ e publicado no "Diário do Comércio" de 17 de outubro de 2005, no qual o autor aborda o assunto com tamanha propriedade que serve inclusive de conclusão ao meu superficial texto .
"Aids, Brasil e Uganda
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 17 de outubro de 2005
O Brasil, como a propaganda governamental não cessa de alardear, conseguiu reduzir pela metade o número de mortes de aidéticos no país. Esse resultado foi obtido por meio da doação maciça de remédios pirateados, que custam aos cofres públicos 300 milhões de dólares por ano. O número de aidéticos em tratamento e portanto a verba para sustentar o programa tendem a aumentar indefinidamente, porque, como qualquer pessoa com QI superior a 12 poderia prever, a distribuição sem fim de camisinhas estatais e a glamurização da homossexidade por meio de anúncios tocantes não reduziram em nada o número de infectados. O Brasil tinha 60 por cento dos casos de Aids da América Latina, e continua tendo. Para completar, o modelo brasileiro não pode ser exportado, porque seu custo ultrapassa tudo o que as nações da África, as mais vitimadas pela doença, jamais ousariam sonhar.
Por ironia, uma dessas nações, a pobrezinha Uganda, conseguiu, com despesa incomparavelmente menor, reduzir a quota de infectados de dezoito para cinco por cento da população. Uma vitória espetacular. Nenhum outro país do mundo alcançou resultados tão efetivos.
Dito isso, dou agora um teste para o leitor avaliar se sabe em que mundo está vivendo: dos dois programas de combate à Aids, qual é aplaudido pela ONU e pela mídia internacional como um sucesso e um modelo digno de ser copiado? Respondeu "o ugandense"? Errou. É o brasileiro. O ugandense, ao contrário, é condenado como um perigo para a população e uma ofensa intolerável aos direitos humanos. O enviado especial da ONU para assuntos de AIDS no continente africano, Stephen Lewis, tem dado entrevistas para denunciar o abuso, e a ONG Human Rights Watch acaba de publicar um relatório de 81 páginas contra o maldoso presidente de Uganda, Yoweri Museveni, responsável pela coisa toda.
Mas, afinal, qual a diferença entre o modo brasileiro e o ugandense de combater a Aids? Uganda não distribui remédios? Distribui. Não recomenda o uso de camisinhas? Recomenda. Não as distribui à população? Distribui. A diferença é que acrescenta a esses fatores uma campanha pela abstinência sexual antes do casamento e pela fidelidade conjugal depois. Tal é o motivo da sua eficácia, mas também o da profunda indignação da ONU. Essa nobre instituição (que recentemente tirou os EUA e colocou o Sudão na sua Comissão de Direitos Humanos depois de comprovado que a ditadura sudanesa só matou quatrocentos mil dissidentes e não dois milhões como diziam as más línguas) ficou ainda mais chocada porque, embora o governo de Uganda distribua mais camisinhas à sua população do que qualquer outro governo africano, o presidente Museveni e sua esposa Janet chegaram a sugerir repetidamente – em público!, vejam vocês, em público! – que esses artefatos só deveriam ser usados como segunda opção, se falhasse a abstinência dos solteiros e a fidelidade dos casados. Segundo o sr. Lewis, essa insinuação maligna, além de disseminar um preconceito fascista contra o adultério e o sexo pré-conjugal, ainda arrisca desestimular o uso das camisinhas, disseminando a prática do sexo inseguro e matando virtualmente de Aids milhões de ugandenses. Um verdadeiro genocídio. Se o leitor tem alguma dificuldade de entender o raciocínio do digno porta-voz da ONU, pode recorrer à técnica da análise lógica das conclusões para desenterrar a premissa implícita que o fundamenta. Essa premissa é, com toda a evidência, a de que os ugandenses, uma vez persuadidos a tentar a abstinência antes da camisinha, podem eventualmente sentir-se incentivados a continuar prescindindo da camisinha quando desistirem da abstinência. A verdadeira preocupação do sr. Lewis, portanto, deriva do seu temor humanitário de que o quociente de inteligência do povo ugandense seja igual ao dele. A ONU, nesses momentos, chega a ser comovente.
É verdade que, na luta contra a Aids, Uganda é a única nação vencedora (o tão louvado Brasil mal se equilibra num deficitário empate técnico). É verdade também que, em todo o restante do continente africano, onde ninguém prega abstinência nenhuma e todas as campanhas contra a Aids mantêm estrita fidelidade ao dogma da salvação pelas camisinhas tal como formulado ex cathedra pela ONU, as taxas de infecção pelo HiV continuam inalteradas ou crescentes, chegando, em alguns lugares, a trinta por cento da população. O sr. Lewis, por isso, fala com conhecimento de causa. Nada como o fracasso completo para dar a um sujeito (ou a uma instituição) a autoridade de criticar o sucesso alheio. Além disso, ponham a mão na consciência: vocês acham mesmo que alguns milhões de vidas ugandenses salvas valem o sacrifício de não sei quantos minutos de prazer cruelmente negados aos adúlteros e aos homossexuais? É, como se diz, uma questão de princípio: antes sucumbir à Aids do que abdicar do direito ao gozo ilimitado. Eis a alternativa moral que a ONU oferece à humanidade: ou ser salva pela camisinha, ou morrer com dignidade. Ceder à proposta indecente de Yoweri e Janet Museveni, jamais. O jornal inglês Guardian adverte aliás que a proposta tem uma origem das mais suspeitas. Yoweri e Janet Museveni, por inverossímil que isto pareça numa época esclarecida como a nossa, são... cristãos. Parece até mesmo que eles encontraram a idéia na Bíblia.
Esses povos atrasados são mesmo uns jumentos. Nós, brasileiros, um povo iluminado, jamais cairíamos numa esparrela dessas. Nosso negócio é ciência. Já em 2003, pouco antes de passar o cargo a Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem entre seus inumeráveis méritos não só a criação do programa de trezentos milhões de dólares mas também a virtude de saber fazer-se de gostosão com muito mais naturalidade do que seu antecessor e xará Fernando Collor, nos ensinou com notável antecedência que essas campanhas de castidade juvenil e fidelidade conjugal não estão com nada. Falando numa conferência em Paris – ele fica tão bem em Paris, vocês não acham? --, ele disse que essas campanhas "só servem para confundir as pessoas". Como exemplo dessa confusão, ele citou o caso das esposas brasileiras, fielmente monogâmicas, que vão para a cama com seus maridos e contraem Aids. "Elas não usaram camisinhas, porque tinham um parceiro só, e pegaram a doença." O próprio sr. Lewis não alcançaria a profundidade desse argumento, segundo o qual a fonte do perigo não está nos maridos que traem, mas nas esposas traídas; não está no contaminador, mas na contaminada. O pensamento do grande intelectual uspiano chega, aí, às raias do sublime. Com poucas e fulminantes palavras o autor de Dependência e Desenvolvimento na América Latina – o único livro que se tornou clássico por meio do esquecimento geral – reduz a pó a tese de seu amigo Alain Peyrefitte, de que as sociedades progridem na medida em que nelas imperam os laços de lealdade e confiança. Sociedade normal, sociedade progressista, na doutrina FHC, é aquela na qual a deslealdade está tão generalizada que mesmo as esposas não podem confiar nos maridos. Quando a lealdade falha, como é justo e normal, não se deve portanto fazer uma campanha para restaurá-la, mas, ao contrário, oficializar a deslealdade tornando a camisinha, em vez da fidelidade, uma obrigação moral dos cônjuges. Da minha parte, acreditando piamente que o nosso ex-presidente não seria hipócrita ao ponto de desejar uma moral para as famílias brasileiras em geral e outra para a dele próprio, admito que Dona Rute não deve mesmo, em hipótese alguma, permitir que seu marido venha com coisa para cima dela sem uma camisinha. Talvez até duas. Se ele já veio para cima de nós todos sem nenhuma, é tarde para pensar nisso. Relax and enjoy.
Para quem absorveu os ensinamentos de Stephen Lewis e Fernando Henrique, a inconveniência absoluta de sugerir fidelidade e abstinência salta aos olhos. É de uma clareza lógica formidável, não é mesmo? Só aquela besta do Museveni é que não entende. Ele e a mulher dele. Também, que se pode esperar de uma idiota que acredita no marido? Além de preta, a cretina é cristã. Só falta agora quererem que a gente leve a sério Nossa Senhora Aparecida e a Condoleezza Rice.
Já o relatório da Human Rights Watch enfatiza outro aspecto ainda mais repugnante da campanha ugandense: ela é feita -- oh, horror! -- com verbas doadas pelo governo americano. É verdade que, no planeta inteiro, os EUA contribuem mais para o combate à Aids do que todos os demais países somados. É verdade, portanto, que a maioria das campanhas anti-Aids em todo o mundo são feitas com dinheiro americano. Até as verbas distribuídas pela própria ONU para esse fim vêm quase todas da mesmíssima fonte. Mas ninguém precisa se rebaixar ao ponto de aceitar, junto com os dólares de Washington, a sugestão maldosa daquele outro casal de carolas, George W. e Laura Bush, de que camisinhas às vezes furam e de que em vez de apostar exclusivamente nelas a vida e a morte, talvez valesse a pena controlar um pouco o desejo sexual.
Uganda, cedendo a essas insinuações, refocilou na lama. Países altivos, briosos, dotados de amor próprio, pegam a grana e mandam George W. Bush enfiar sua religião naquele lugar – com camisinha, é claro. Ou então fazem logo como o Brasil, que rejeita o dinheiro. Se vocês não se lembram, a USAID, pouco tempo atrás, ofereceu 48 milhões de dólares para ajudar o nosso país a comprar remédios para os aidéticos, mas impôs uma condição: que do texto do convênio não constassem palavras que parecessem legitimar a prática da prostituição. O governo petista, que tem dignidade para dar e vender -- sobretudo para vender --, não se curvou à imposição degradante. Ser contra a prostituição? Jamais. A reverência ante as marafonas é, entre os políticos brasileiros, arraigada como o amor filial, chegando, em muitos deles, a confundir-se com esse sentimento. Em outros é, como a camisinha do sr. Lewis, uma questão de princípio. Quarenta e oito milhões de dólares é um bocado de remédio para aidético, mas para que fazer uma concessão aviltante à moral burguesa -- sobretudo americana, éeeeca! --, quando se pode facilmente subsidiar a honra dos puteiros pátrios com equivalente quantia em moeda nacional extraída aos contribuintes? Vocês todos, leitores e não leitores, pagaram 48 milhões de dólares para o governo nacional não melindrar as – como direi? -- prestadoras de serviços eróticos. Tudo pelo direito zumano, né mermo?"
Sabemos que, hoje, o principal meio de transmissão do vírus da AIDS é o sexo, já que as outras formas de contato capazes de gerar contágio já não representam um número elevado nas estatísticas de transmissão do vírus. Sabemos também que a propaganda de prevenção à AIDS gira em torno do tema "use camisinha".
Pois bem. A primeira coisa que nos vem à cabeça quando vemos uma propaganda "use camisinha" é: "Tudo bem. Se eu usar camisinha eu não vou pegar AIDS". Essa é a premissa divulgada amplamente pela mídia, especialmente pela TV em programas direcionados aos jovens (MTV, Malhação, etc.).
Ocorre porém que, como todo estudante de publicidade sabe, atrás da afirmação "use sempre camisinha" está implícita outra afirmação, anterior àquela, que é "Transe com quem e quando quiser" MAS "use sempre camisinha".
Acontece que o sexo seguro ou responsável não pode ser tido como somente o sexo com camisinha. Não são sinônimos. O sexo seguro ou responsável é aquele onde duas pessoas que se conhecem com o mínimo de profundidade e intimidade, que já possuem afetos recíprocos e que sabem do grau de risco que cada uma representa, mantêm relações sem prescindir do uso da camisinha. Essa deveria ser a premissa.
Não é o que acontece.
Há alguns dias, um fato em especial me deixou preocupado. Preocupado com o futuro dos adolescentes da cultura da camisinha. Uma menina – afinal, 13 anos é uma menina – manteve relações sexuais completas (lembrei-me do Bill Clinton...) com 17 (dezessete!!) meninos de uma única vez! Tudo isso dentro das dependências da escola onde estuda. Segundo a própria menina informou à direção da escola e ao Conselho Tutelar, ela teve relações com um dos colegas, que contou pra outro, e depois com outro, que contou pra outro... até o ponto em que muita gente soube que ela era "fácil". E diferentemente do que eu pensei de início ela não foi chantageada para suportar os dezessete. Fez tudo porque quis!
E o que é pior. Quando instada sobre os riscos, sobre os problemas que poderiam advir dessa atitude promíscua, ela afirmou: "Não tem problema, eu usei camisinha".
Ora, será que a moral está tão deturpada assim? Será que não seria o caso de restabelecermos valores mínimos de respeito ao corpo e aos sentimentos, para então propalarmos o uso da camisinha como acréscimo a isto?
Não nos enganemos. O fato é que a grande maioria da população não tem a mínima auto-estima para dar valor e dignidade a si e ao próprio corpo, como também não tem cultura e desenvolvimento intelectual – que é diferente de inteligência, que todos têm – para discernir sobre isto. Para eles, tudo pode, até serem promíscuos, desde que se "use camisinha".
A propósito disto, transcrevo abaixo um brilhante artigo do filósofo, escritor e colunista Olavo de Carvalho, extraído de seu site http://www.olavodecarvalho.org/ e publicado no "Diário do Comércio" de 17 de outubro de 2005, no qual o autor aborda o assunto com tamanha propriedade que serve inclusive de conclusão ao meu superficial texto .
"Aids, Brasil e Uganda
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 17 de outubro de 2005
O Brasil, como a propaganda governamental não cessa de alardear, conseguiu reduzir pela metade o número de mortes de aidéticos no país. Esse resultado foi obtido por meio da doação maciça de remédios pirateados, que custam aos cofres públicos 300 milhões de dólares por ano. O número de aidéticos em tratamento e portanto a verba para sustentar o programa tendem a aumentar indefinidamente, porque, como qualquer pessoa com QI superior a 12 poderia prever, a distribuição sem fim de camisinhas estatais e a glamurização da homossexidade por meio de anúncios tocantes não reduziram em nada o número de infectados. O Brasil tinha 60 por cento dos casos de Aids da América Latina, e continua tendo. Para completar, o modelo brasileiro não pode ser exportado, porque seu custo ultrapassa tudo o que as nações da África, as mais vitimadas pela doença, jamais ousariam sonhar.
Por ironia, uma dessas nações, a pobrezinha Uganda, conseguiu, com despesa incomparavelmente menor, reduzir a quota de infectados de dezoito para cinco por cento da população. Uma vitória espetacular. Nenhum outro país do mundo alcançou resultados tão efetivos.
Dito isso, dou agora um teste para o leitor avaliar se sabe em que mundo está vivendo: dos dois programas de combate à Aids, qual é aplaudido pela ONU e pela mídia internacional como um sucesso e um modelo digno de ser copiado? Respondeu "o ugandense"? Errou. É o brasileiro. O ugandense, ao contrário, é condenado como um perigo para a população e uma ofensa intolerável aos direitos humanos. O enviado especial da ONU para assuntos de AIDS no continente africano, Stephen Lewis, tem dado entrevistas para denunciar o abuso, e a ONG Human Rights Watch acaba de publicar um relatório de 81 páginas contra o maldoso presidente de Uganda, Yoweri Museveni, responsável pela coisa toda.
Mas, afinal, qual a diferença entre o modo brasileiro e o ugandense de combater a Aids? Uganda não distribui remédios? Distribui. Não recomenda o uso de camisinhas? Recomenda. Não as distribui à população? Distribui. A diferença é que acrescenta a esses fatores uma campanha pela abstinência sexual antes do casamento e pela fidelidade conjugal depois. Tal é o motivo da sua eficácia, mas também o da profunda indignação da ONU. Essa nobre instituição (que recentemente tirou os EUA e colocou o Sudão na sua Comissão de Direitos Humanos depois de comprovado que a ditadura sudanesa só matou quatrocentos mil dissidentes e não dois milhões como diziam as más línguas) ficou ainda mais chocada porque, embora o governo de Uganda distribua mais camisinhas à sua população do que qualquer outro governo africano, o presidente Museveni e sua esposa Janet chegaram a sugerir repetidamente – em público!, vejam vocês, em público! – que esses artefatos só deveriam ser usados como segunda opção, se falhasse a abstinência dos solteiros e a fidelidade dos casados. Segundo o sr. Lewis, essa insinuação maligna, além de disseminar um preconceito fascista contra o adultério e o sexo pré-conjugal, ainda arrisca desestimular o uso das camisinhas, disseminando a prática do sexo inseguro e matando virtualmente de Aids milhões de ugandenses. Um verdadeiro genocídio. Se o leitor tem alguma dificuldade de entender o raciocínio do digno porta-voz da ONU, pode recorrer à técnica da análise lógica das conclusões para desenterrar a premissa implícita que o fundamenta. Essa premissa é, com toda a evidência, a de que os ugandenses, uma vez persuadidos a tentar a abstinência antes da camisinha, podem eventualmente sentir-se incentivados a continuar prescindindo da camisinha quando desistirem da abstinência. A verdadeira preocupação do sr. Lewis, portanto, deriva do seu temor humanitário de que o quociente de inteligência do povo ugandense seja igual ao dele. A ONU, nesses momentos, chega a ser comovente.
É verdade que, na luta contra a Aids, Uganda é a única nação vencedora (o tão louvado Brasil mal se equilibra num deficitário empate técnico). É verdade também que, em todo o restante do continente africano, onde ninguém prega abstinência nenhuma e todas as campanhas contra a Aids mantêm estrita fidelidade ao dogma da salvação pelas camisinhas tal como formulado ex cathedra pela ONU, as taxas de infecção pelo HiV continuam inalteradas ou crescentes, chegando, em alguns lugares, a trinta por cento da população. O sr. Lewis, por isso, fala com conhecimento de causa. Nada como o fracasso completo para dar a um sujeito (ou a uma instituição) a autoridade de criticar o sucesso alheio. Além disso, ponham a mão na consciência: vocês acham mesmo que alguns milhões de vidas ugandenses salvas valem o sacrifício de não sei quantos minutos de prazer cruelmente negados aos adúlteros e aos homossexuais? É, como se diz, uma questão de princípio: antes sucumbir à Aids do que abdicar do direito ao gozo ilimitado. Eis a alternativa moral que a ONU oferece à humanidade: ou ser salva pela camisinha, ou morrer com dignidade. Ceder à proposta indecente de Yoweri e Janet Museveni, jamais. O jornal inglês Guardian adverte aliás que a proposta tem uma origem das mais suspeitas. Yoweri e Janet Museveni, por inverossímil que isto pareça numa época esclarecida como a nossa, são... cristãos. Parece até mesmo que eles encontraram a idéia na Bíblia.
Esses povos atrasados são mesmo uns jumentos. Nós, brasileiros, um povo iluminado, jamais cairíamos numa esparrela dessas. Nosso negócio é ciência. Já em 2003, pouco antes de passar o cargo a Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem entre seus inumeráveis méritos não só a criação do programa de trezentos milhões de dólares mas também a virtude de saber fazer-se de gostosão com muito mais naturalidade do que seu antecessor e xará Fernando Collor, nos ensinou com notável antecedência que essas campanhas de castidade juvenil e fidelidade conjugal não estão com nada. Falando numa conferência em Paris – ele fica tão bem em Paris, vocês não acham? --, ele disse que essas campanhas "só servem para confundir as pessoas". Como exemplo dessa confusão, ele citou o caso das esposas brasileiras, fielmente monogâmicas, que vão para a cama com seus maridos e contraem Aids. "Elas não usaram camisinhas, porque tinham um parceiro só, e pegaram a doença." O próprio sr. Lewis não alcançaria a profundidade desse argumento, segundo o qual a fonte do perigo não está nos maridos que traem, mas nas esposas traídas; não está no contaminador, mas na contaminada. O pensamento do grande intelectual uspiano chega, aí, às raias do sublime. Com poucas e fulminantes palavras o autor de Dependência e Desenvolvimento na América Latina – o único livro que se tornou clássico por meio do esquecimento geral – reduz a pó a tese de seu amigo Alain Peyrefitte, de que as sociedades progridem na medida em que nelas imperam os laços de lealdade e confiança. Sociedade normal, sociedade progressista, na doutrina FHC, é aquela na qual a deslealdade está tão generalizada que mesmo as esposas não podem confiar nos maridos. Quando a lealdade falha, como é justo e normal, não se deve portanto fazer uma campanha para restaurá-la, mas, ao contrário, oficializar a deslealdade tornando a camisinha, em vez da fidelidade, uma obrigação moral dos cônjuges. Da minha parte, acreditando piamente que o nosso ex-presidente não seria hipócrita ao ponto de desejar uma moral para as famílias brasileiras em geral e outra para a dele próprio, admito que Dona Rute não deve mesmo, em hipótese alguma, permitir que seu marido venha com coisa para cima dela sem uma camisinha. Talvez até duas. Se ele já veio para cima de nós todos sem nenhuma, é tarde para pensar nisso. Relax and enjoy.
Para quem absorveu os ensinamentos de Stephen Lewis e Fernando Henrique, a inconveniência absoluta de sugerir fidelidade e abstinência salta aos olhos. É de uma clareza lógica formidável, não é mesmo? Só aquela besta do Museveni é que não entende. Ele e a mulher dele. Também, que se pode esperar de uma idiota que acredita no marido? Além de preta, a cretina é cristã. Só falta agora quererem que a gente leve a sério Nossa Senhora Aparecida e a Condoleezza Rice.
Já o relatório da Human Rights Watch enfatiza outro aspecto ainda mais repugnante da campanha ugandense: ela é feita -- oh, horror! -- com verbas doadas pelo governo americano. É verdade que, no planeta inteiro, os EUA contribuem mais para o combate à Aids do que todos os demais países somados. É verdade, portanto, que a maioria das campanhas anti-Aids em todo o mundo são feitas com dinheiro americano. Até as verbas distribuídas pela própria ONU para esse fim vêm quase todas da mesmíssima fonte. Mas ninguém precisa se rebaixar ao ponto de aceitar, junto com os dólares de Washington, a sugestão maldosa daquele outro casal de carolas, George W. e Laura Bush, de que camisinhas às vezes furam e de que em vez de apostar exclusivamente nelas a vida e a morte, talvez valesse a pena controlar um pouco o desejo sexual.
Uganda, cedendo a essas insinuações, refocilou na lama. Países altivos, briosos, dotados de amor próprio, pegam a grana e mandam George W. Bush enfiar sua religião naquele lugar – com camisinha, é claro. Ou então fazem logo como o Brasil, que rejeita o dinheiro. Se vocês não se lembram, a USAID, pouco tempo atrás, ofereceu 48 milhões de dólares para ajudar o nosso país a comprar remédios para os aidéticos, mas impôs uma condição: que do texto do convênio não constassem palavras que parecessem legitimar a prática da prostituição. O governo petista, que tem dignidade para dar e vender -- sobretudo para vender --, não se curvou à imposição degradante. Ser contra a prostituição? Jamais. A reverência ante as marafonas é, entre os políticos brasileiros, arraigada como o amor filial, chegando, em muitos deles, a confundir-se com esse sentimento. Em outros é, como a camisinha do sr. Lewis, uma questão de princípio. Quarenta e oito milhões de dólares é um bocado de remédio para aidético, mas para que fazer uma concessão aviltante à moral burguesa -- sobretudo americana, éeeeca! --, quando se pode facilmente subsidiar a honra dos puteiros pátrios com equivalente quantia em moeda nacional extraída aos contribuintes? Vocês todos, leitores e não leitores, pagaram 48 milhões de dólares para o governo nacional não melindrar as – como direi? -- prestadoras de serviços eróticos. Tudo pelo direito zumano, né mermo?"
5 Comentários:
Esse é sem dúvida um tema delicado. Não acho que o Estado deva influenciar na decisão religiosa do seu povo, acho inclusive que isso é antiético. Concordo, porém, que a banalização do sexo deveria ser contida, mas acho que a busca pela religiosidade deve ser uma opção do cidadão, não uma indicação do estado. Difundir esta posição é muito mais papel da Igreja do que do Estado. E acho também que um dos poucos acertos do governo petista foi o ato de recusar o dinheiro dos EUA. Deixar as prostitutas à própria sorte não é humano, recusar esse dinheiro é muito mais um ato que simboliza a posição (que eu considero acertada) tomada pelo governo brasileiro do que a recusa do dinheiro pelo excesso, o que evidentemente não é o nosso caso. O que está errado é a maneira como se instrui a população, não o conteúdo que é passado. A campanha pelo uso da camisinha deveria ser um pouco mais instrutiva e não propagandas simbolizando o "carnaval do amor livre".
E vou te dar uma dica: Coloca Haloscan nos coments do seu blog, ter que fazer login pra comentar é restritivo (pessoas que não tem contas no blogspot não comentam) e também é um pé no saco. Se você não souber, depois me fala que eu te explico. Abração.
Cabelo, concordo com você quanto à indicação do Estado. Na realidade, quanto eu transcrevi o artigo do Olavo de Carvalho, foi mais pelo seguinte, em relação à propaganda: Se não for ajudar, pelo menos não atrapalhe ao pregar o, como você disse, carnaval do amor livre. A fidelidade e a castidade devem sim ser atos livres dos sujeitos, mas a propaganda, do jeito que é colocada, está mais para um incentivo à promiscuidade do que para a conscientização da sexualidade - este último sim, deveria ser o papel do Estado, fazer uma propaganda que mostrasse o sexo como uma entrega mútua e prazeirosa, quando há o mínimo de carinho e conhecimento mútuo. Agora, quanto à fidelidade, as religiões - inclusive as que permitem a poligamia - a indicam como um valor moral de alta relevância, e a fidelidade é uma característica intrínseca do respeito entre os companheiros, afinal nenhuma pessoa normal gosta de ser traído ou trai às claras. O problema do dinheiro dos EUA pra mim é irrelevante, também acho que a política tem que ser feita com tomadas de posições. Realmente, o problema é com a instrução da população - usar camisinha é a única forma de proteção e isso tem que ser maciçamente divulgado, mas a propaganda deveria ter um nível mais profundo, tratando até mesmo da dignidade do ser humano. Entendi que a propaganda ugandense não tem cunho religioso - lá também é um Estado laico -, mas trata da fidelidade conjugal como um valor a ser preservado, afinal é um compromisso assumido com o cônjuge ou companheiro, e o ser humano tem que honrar esse compromisso. Quanto à castidade, a propaganda ugandense não prega a abstinência sexual, mas a consciência do que está sendo concedido ao outro através do ato sexual.
Como eu faço esse negócio do haloscan?
"usar camisinha é a única forma de proteção"
Não é bem assim.Me parece que você nunca leu um estudo da OMS...A camisinha é um método de proteção parcial, que deve sempre ser utilizado, porque sem ela,sendo sexualmente ativo, você estará 100% exposto. Segundo os estudos da própria OMS a camisinha tem eficácia de 87% contra o HIV.Está tudo lá, leia(www.who.org). Portanto os outros 13% de falhas eventuais decorrentes de qualquer procedimento devem estar ao alcance da população, também. A maneira mais eficiente de não se contrair HIV é não fazendo sexo, e isso é científico, embora eu considere desumano também, porém se você diminui o número de parceiros e usa caisinha tem uma proteção extra. O que ocorre no Brasil é que a permissividade é estúpida e desconsidera que a camisinha, pode, eventualmente, falhar. Por favor. Não seja maniqueísta.
Além disso, contra outras DSTs, como clamídia e gonorréia, a camisinha tem eficácia menor.Portanto uma política de redução de parceiros, que é diferente de abstinência, deve ser bem-vinda.
Leia meu texto, que inclusive tem as fontes científicas, em http://sognarelucido.wordpress.com
Amigo, sobre o assunto da menina de 13 anos que manteve relacoes com 17 rapazes, voce sabe informar a fonte desse relato? Estou realizando um estudo relativo a promiscuidade e gostaria de confirmar a veracidade dessa informacao.
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