29.3.06

Franqueza e Liberdade de expressão X Grosseria e Desrespeito

Estamos perdendo o respeito pelos outros. E o pior é que para faltarmos com o respeito, usamos um escudo protetor que pode ser a "franqueza" ou o direito à "liberdade de expressão". Estas, quando anunciadas previamente ou invocadas posteriormente, funcionam como máscaras por trás das quais se escondem o desrespeito e a grosseria.
Antes vou derivar um pouco, que é meu forte. Quem já não foi vítima de uma grosseria dita por alguém que propaga ser "muito franco"? Estorinha: Você encontra com alguém, começa um assunto e, do nada, seu interlocutor diz: "Desculpe". Você pensa: "Ih! Já começou pedindo desculpas..." e ele continua: "Você sabe que eu sou muito franco." Você pensa: "Lá vem..." Batata! Você recebe uma paulada direto na moleira, no seu ponto fraco: "É que você está...", ou então: "Você sabe que eu gosto muito de você, mas...", ou ainda: "Eu não queria te dizer, mas o(a) fulano(a)..."
A franqueza é uma virtude, uma coisa objetivamente boa por si só, e como tal, não precisa ser desculpada, e tampouco anunciada antes ou invocada depois de um comentário. Só se o "franco" quiser usar o escudo de uma virtude para dizer ou fazer algo que passa longe disso. Se foi realmente feito com franqueza e respeito, o interlocutor identificará sem que se necessite de desculpas ou invocação.
Da mesma forma ocorre com a liberdade de expressão. Quando se tem que a invocar é porque se vai desrespeitar alguém ou um grupo imotivadamante. (Ressalto que, para ocupantes de cargos públicos, a linha entre a liberdade de expressão e o desrespeito é mais tênue, até porque é dever de quem ocupa esses cargos prestar contas de sua vida pública, e se não o faz, sujeitar-se aos comentários daí decorrentes).
E qual a diferença entre esses escudos? Um é usado entre particulares (a falsa franqueza), normalmente entre quem se conhece; o outro escudo (a falsa liberdade de expressão) é mais abrangente, servindo para dar sustentação a uma afirmação de caráter negativo de alguém ou de uma coletividade para um público indeterminado.
Como impor limites? No caso da falsa franqueza, sendo realmente franco com o autor da grosseria: "Isso não é franqueza, é grosseria" ou mais polidamente: "Cuidado com sua franqueza, os outros podem não gostar." ou, chutando o balde: "Pô! Tu é chato, hein?". Pronto.
E no caso da falsa liberdade de expressão, que é um salvo-conduto para a liberdade de ofensa? Aí é que a coisa complica, até porque entra algo imensurável que é subjetividade dos ofendidos. Voltamos então a uma aflitiva questão contemporânea. Ao mesmo tempo em que lutamos para sermos politicamente ou socialmente responsáveis (vou começar a usar esses termos) e educarmos nossas crianças para isso, também lutamos para defender o conceito objetivamente bom da liberdade de expressão. Só que, como dito, alguns usam deste conceito objetivamente bom para fazer algo objetivamente ruim, como ofensas a pessoas, grupos, etc. E se titubeamos quando questionados sobre a concordância ou não com a liberade de expressão, somos colocados em cheque. "Mas se você concorda com a liberdade de expressão, por que discorda disso?" Claro! Na visão dos que convenientemente se escondem atrás do que seria o real e bom conceito de liberdade de expressão, não se pode admitir relativização. Ou ela (a liberdade) existe ou não. Até porque, no conceito deles, o bem maior é a liberdade de expressão, e a consequência disso pode até ser - também no conceito deles - um mal menor (uma ofensa - que nunca vai ser reconhecida como tal, é lógico - a pessoas, grupos ou minorias).
Mas não se trata de relativização, mas sim de responsabilização, de se dar o real valor a cada bem - jurídico ou natural - tutelado. Ambos (liberdade de expressão e o indivíduo) encontram proteção constitucional e infra-constitucional, porém o indivíduo, com sua liberdade e sua honra, é o bem maior, sem dúvida. No entanto os ofensores fazem os incautos crerem que a liberdade deles, ofensores, é que seria o bem maior, a "prioridade", por assim dizer. E tanto a proteção ao indivíduo (sozinho ou um grupo) é o bem maior, que todos sabemos que é garantido a todo indivíduo - ou grupo - ofendido em sua honra pleitear judicialmente a reparação.
Conceitualmente é assim. Mas e na prática? Aí é que a situação se complica, pois o Estado (leia-se o Poder Judiciário), além de todas as mazelas que já conhecemos, não está preparado para lidar com aspectos que envolvam a subjetividade do ofendido, preferindo avaliar a repercussão externa da ofensa, ao invés de levar em conta o grau de má-fé do ofensor, para aplicar a justa punição a este último (isso quando há punição efetiva!). E com isso os falsos defensores da liberdade de expressão deitam e rolam...
Lá vou eu com um exemplo pessoal: Vi numa entrevista do Heródoto Barbeiro o seguinte: Um americano foi à Suprema Corte e apresentou uma pedido formal de autorização para publicar um site de pedofilia. A Suprema Corte o autorizou. No mesmo dia, o pedófilo foi preso. Apresentando a autorização da Suprema Corte em Juízo, lhe foi dito: "Você pode fazer o que quiser, desde que assuma as consequências dos seus atos. Nesse caso, a consequência é a prisão."
Entendo que a questão da liberdade de expressão tem a ver com a assunção das responsabilidades decorrentes dessa liberdade, que não são poucas. Mas para que possamos evoluir nesse sentido e estabelecer a liberdade de expressão com responsabilidade, muita água há de rolar.

1 Comentários:

Às 2:38 AM , Anonymous Anônimo disse...

Por que nao:)

 

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