26.12.05

E agora?

Vou ser pai! Que alegria! A ficha ainda não caiu direito, mas certamente é a melhor coisa que me aconteceu. Queria compartilhar essa alegria com meus 3 leitores e 1 comentador. O duro é ter que esperar os 9 meses. Acho que na reta final vai dar um leve desespero. Para quem vai ser pai pela primeira vez, é estranha a sequência de sensações entre a confirmação, o anúncio aos parentes e amigos e o que acontece logo após: nada. Já imagino o que acontece quando se descobre o sexo do bebê e novamente corremos a anunciar a todos: nada. Não que não seja bom compartilhar a alegria (claro que é bom!) e tampouco que não tenha encontrado eco nas pessoas que me querem bem (estou surdo de tanto eco! Obrigado!), mas é que mesmo com tudo isso, ainda não aconteceu nada de concreto perto da mudança de vida que supõe ter um filho. Nesse meio tempo a gente fica meio perdido, pensando e fazendo de tudo (comprar enxoval, cuidar da mulher, ler sobre o assunto, participar do pré-natal, não ver nada no ultrassom e fingir pra todo mundo que vê nitidamente a criança, etc.) e ao mesmo tempo sem ter o que fazer, preocupado com o futuro de um ser que ainda nem nasceu. Suponho que toda a preparação seja pouco - por isso disse que se fica meio sem ter o que fazer - perto da realidade de ser pai, consumada com o nascimento. Não quero nem falar das dificuldades enfrentadas por mim e pela minha amada esposa para conseguirmos chegar a este momento (cirurgias, exames, injeções, exames, exames, exames...), lembrando que somos contra a inseminação artificial - sim, em tempos de paternidade sob encomenda, no tempo e da forma escolhida pelo "cliente", vamos ter um filho gerado naturalmente. Espero sinceramente corresponder à confiança de Deus que me presenteou com tamanho dom.

O que é isso "campanheiro"?

Filósofos já trataram do tema, sábios e cientistas foram a fundo em busca de respostas, mas EU descobri qual a verdadeira profissão do Lula: Campanheiro!
Sim. O que ele sabe fazer na vida, de maneira até profissional, é campanha. Não pode ver um palanque, ou até mesmo uma caixa de maçãs, que sobe lá e discursa de improviso. E discursa, e discursa... Como um candidato em campanha - que ele era desde quando metalúrgico e que é desde o primeiro dia de seu mandato como Presidente da República -, tem a cara-de-pau de mostrar números favoráveis, esquecer os desfavoráveis, mudar de assunto, distrair a atenção dos ouvintes, dar respostas evasivas, colocar bonés e camisetas para "se aproximar do povo", falar através das piores metáforas, enganar a ONU, fazer besteiras e fingir que nada aconteceu, enfim, tudo o que faz um candidato a cargo eletivo. É isso! Lula é canditato profissional em permanente campanha.
E ele acha que está certo... Pior para nós!

11.12.05

Comentários

Agora todas as 4 ou 5 pessoas que lêem este blog (meu sobrinho, minhas sobrinhas e minha mulher) podem comentá-lo. Instalei o tal do haloscan (acho que é com um "l" só), que permite comentários de quem não está cadastrado no blogger.

Abraço

5.12.05

AIDS, Camisinha e Promiscuidade

Diante do recente Dia Mundial de Combate à AIDS, resolvi narrar um fato e tecer alguns comentários a respeito do assunto.

Sabemos que, hoje, o principal meio de transmissão do vírus da AIDS é o sexo, já que as outras formas de contato capazes de gerar contágio já não representam um número elevado nas estatísticas de transmissão do vírus. Sabemos também que a propaganda de prevenção à AIDS gira em torno do tema "use camisinha".

Pois bem. A primeira coisa que nos vem à cabeça quando vemos uma propaganda "use camisinha" é: "Tudo bem. Se eu usar camisinha eu não vou pegar AIDS". Essa é a premissa divulgada amplamente pela mídia, especialmente pela TV em programas direcionados aos jovens (MTV, Malhação, etc.).

Ocorre porém que, como todo estudante de publicidade sabe, atrás da afirmação "use sempre camisinha" está implícita outra afirmação, anterior àquela, que é "Transe com quem e quando quiser" MAS "use sempre camisinha".
Acontece que o sexo seguro ou responsável não pode ser tido como somente o sexo com camisinha. Não são sinônimos. O sexo seguro ou responsável é aquele onde duas pessoas que se conhecem com o mínimo de profundidade e intimidade, que já possuem afetos recíprocos e que sabem do grau de risco que cada uma representa, mantêm relações sem prescindir do uso da camisinha. Essa deveria ser a premissa.

Não é o que acontece.

Há alguns dias, um fato em especial me deixou preocupado. Preocupado com o futuro dos adolescentes da cultura da camisinha. Uma menina – afinal, 13 anos é uma menina – manteve relações sexuais completas (lembrei-me do Bill Clinton...) com 17 (dezessete!!) meninos de uma única vez! Tudo isso dentro das dependências da escola onde estuda. Segundo a própria menina informou à direção da escola e ao Conselho Tutelar, ela teve relações com um dos colegas, que contou pra outro, e depois com outro, que contou pra outro... até o ponto em que muita gente soube que ela era "fácil". E diferentemente do que eu pensei de início ela não foi chantageada para suportar os dezessete. Fez tudo porque quis!
E o que é pior. Quando instada sobre os riscos, sobre os problemas que poderiam advir dessa atitude promíscua, ela afirmou: "Não tem problema, eu usei camisinha".

Ora, será que a moral está tão deturpada assim? Será que não seria o caso de restabelecermos valores mínimos de respeito ao corpo e aos sentimentos, para então propalarmos o uso da camisinha como acréscimo a isto?

Não nos enganemos. O fato é que a grande maioria da população não tem a mínima auto-estima para dar valor e dignidade a si e ao próprio corpo, como também não tem cultura e desenvolvimento intelectual – que é diferente de inteligência, que todos têm – para discernir sobre isto. Para eles, tudo pode, até serem promíscuos, desde que se "use camisinha".

A propósito disto, transcrevo abaixo um brilhante artigo do filósofo, escritor e colunista Olavo de Carvalho, extraído de seu site http://www.olavodecarvalho.org/ e publicado no "Diário do Comércio" de 17 de outubro de 2005, no qual o autor aborda o assunto com tamanha propriedade que serve inclusive de conclusão ao meu superficial texto .


"Aids, Brasil e Uganda

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de outubro de 2005

O Brasil, como a propaganda governamental não cessa de alardear, conseguiu reduzir pela metade o número de mortes de aidéticos no país. Esse resultado foi obtido por meio da doação maciça de remédios pirateados, que custam aos cofres públicos 300 milhões de dólares por ano. O número de aidéticos em tratamento e portanto a verba para sustentar o programa tendem a aumentar indefinidamente, porque, como qualquer pessoa com QI superior a 12 poderia prever, a distribuição sem fim de camisinhas estatais e a glamurização da homossexidade por meio de anúncios tocantes não reduziram em nada o número de infectados. O Brasil tinha 60 por cento dos casos de Aids da América Latina, e continua tendo. Para completar, o modelo brasileiro não pode ser exportado, porque seu custo ultrapassa tudo o que as nações da África, as mais vitimadas pela doença, jamais ousariam sonhar.

Por ironia, uma dessas nações, a pobrezinha Uganda, conseguiu, com despesa incomparavelmente menor, reduzir a quota de infectados de dezoito para cinco por cento da população. Uma vitória espetacular. Nenhum outro país do mundo alcançou resultados tão efetivos.

Dito isso, dou agora um teste para o leitor avaliar se sabe em que mundo está vivendo: dos dois programas de combate à Aids, qual é aplaudido pela ONU e pela mídia internacional como um sucesso e um modelo digno de ser copiado? Respondeu "o ugandense"? Errou. É o brasileiro. O ugandense, ao contrário, é condenado como um perigo para a população e uma ofensa intolerável aos direitos humanos. O enviado especial da ONU para assuntos de AIDS no continente africano, Stephen Lewis, tem dado entrevistas para denunciar o abuso, e a ONG Human Rights Watch acaba de publicar um relatório de 81 páginas contra o maldoso presidente de Uganda, Yoweri Museveni, responsável pela coisa toda.

Mas, afinal, qual a diferença entre o modo brasileiro e o ugandense de combater a Aids? Uganda não distribui remédios? Distribui. Não recomenda o uso de camisinhas? Recomenda. Não as distribui à população? Distribui. A diferença é que acrescenta a esses fatores uma campanha pela abstinência sexual antes do casamento e pela fidelidade conjugal depois. Tal é o motivo da sua eficácia, mas também o da profunda indignação da ONU. Essa nobre instituição (que recentemente tirou os EUA e colocou o Sudão na sua Comissão de Direitos Humanos depois de comprovado que a ditadura sudanesa só matou quatrocentos mil dissidentes e não dois milhões como diziam as más línguas) ficou ainda mais chocada porque, embora o governo de Uganda distribua mais camisinhas à sua população do que qualquer outro governo africano, o presidente Museveni e sua esposa Janet chegaram a sugerir repetidamente – em público!, vejam vocês, em público! – que esses artefatos só deveriam ser usados como segunda opção, se falhasse a abstinência dos solteiros e a fidelidade dos casados. Segundo o sr. Lewis, essa insinuação maligna, além de disseminar um preconceito fascista contra o adultério e o sexo pré-conjugal, ainda arrisca desestimular o uso das camisinhas, disseminando a prática do sexo inseguro e matando virtualmente de Aids milhões de ugandenses. Um verdadeiro genocídio. Se o leitor tem alguma dificuldade de entender o raciocínio do digno porta-voz da ONU, pode recorrer à técnica da análise lógica das conclusões para desenterrar a premissa implícita que o fundamenta. Essa premissa é, com toda a evidência, a de que os ugandenses, uma vez persuadidos a tentar a abstinência antes da camisinha, podem eventualmente sentir-se incentivados a continuar prescindindo da camisinha quando desistirem da abstinência. A verdadeira preocupação do sr. Lewis, portanto, deriva do seu temor humanitário de que o quociente de inteligência do povo ugandense seja igual ao dele. A ONU, nesses momentos, chega a ser comovente.

É verdade que, na luta contra a Aids, Uganda é a única nação vencedora (o tão louvado Brasil mal se equilibra num deficitário empate técnico). É verdade também que, em todo o restante do continente africano, onde ninguém prega abstinência nenhuma e todas as campanhas contra a Aids mantêm estrita fidelidade ao dogma da salvação pelas camisinhas tal como formulado ex cathedra pela ONU, as taxas de infecção pelo HiV continuam inalteradas ou crescentes, chegando, em alguns lugares, a trinta por cento da população. O sr. Lewis, por isso, fala com conhecimento de causa. Nada como o fracasso completo para dar a um sujeito (ou a uma instituição) a autoridade de criticar o sucesso alheio. Além disso, ponham a mão na consciência: vocês acham mesmo que alguns milhões de vidas ugandenses salvas valem o sacrifício de não sei quantos minutos de prazer cruelmente negados aos adúlteros e aos homossexuais? É, como se diz, uma questão de princípio: antes sucumbir à Aids do que abdicar do direito ao gozo ilimitado. Eis a alternativa moral que a ONU oferece à humanidade: ou ser salva pela camisinha, ou morrer com dignidade. Ceder à proposta indecente de Yoweri e Janet Museveni, jamais. O jornal inglês Guardian adverte aliás que a proposta tem uma origem das mais suspeitas. Yoweri e Janet Museveni, por inverossímil que isto pareça numa época esclarecida como a nossa, são... cristãos. Parece até mesmo que eles encontraram a idéia na Bíblia.

Esses povos atrasados são mesmo uns jumentos. Nós, brasileiros, um povo iluminado, jamais cairíamos numa esparrela dessas. Nosso negócio é ciência. Já em 2003, pouco antes de passar o cargo a Lula, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem entre seus inumeráveis méritos não só a criação do programa de trezentos milhões de dólares mas também a virtude de saber fazer-se de gostosão com muito mais naturalidade do que seu antecessor e xará Fernando Collor, nos ensinou com notável antecedência que essas campanhas de castidade juvenil e fidelidade conjugal não estão com nada. Falando numa conferência em Paris – ele fica tão bem em Paris, vocês não acham? --, ele disse que essas campanhas "só servem para confundir as pessoas". Como exemplo dessa confusão, ele citou o caso das esposas brasileiras, fielmente monogâmicas, que vão para a cama com seus maridos e contraem Aids. "Elas não usaram camisinhas, porque tinham um parceiro só, e pegaram a doença." O próprio sr. Lewis não alcançaria a profundidade desse argumento, segundo o qual a fonte do perigo não está nos maridos que traem, mas nas esposas traídas; não está no contaminador, mas na contaminada. O pensamento do grande intelectual uspiano chega, aí, às raias do sublime. Com poucas e fulminantes palavras o autor de Dependência e Desenvolvimento na América Latina – o único livro que se tornou clássico por meio do esquecimento geral – reduz a pó a tese de seu amigo Alain Peyrefitte, de que as sociedades progridem na medida em que nelas imperam os laços de lealdade e confiança. Sociedade normal, sociedade progressista, na doutrina FHC, é aquela na qual a deslealdade está tão generalizada que mesmo as esposas não podem confiar nos maridos. Quando a lealdade falha, como é justo e normal, não se deve portanto fazer uma campanha para restaurá-la, mas, ao contrário, oficializar a deslealdade tornando a camisinha, em vez da fidelidade, uma obrigação moral dos cônjuges. Da minha parte, acreditando piamente que o nosso ex-presidente não seria hipócrita ao ponto de desejar uma moral para as famílias brasileiras em geral e outra para a dele próprio, admito que Dona Rute não deve mesmo, em hipótese alguma, permitir que seu marido venha com coisa para cima dela sem uma camisinha. Talvez até duas. Se ele já veio para cima de nós todos sem nenhuma, é tarde para pensar nisso. Relax and enjoy.

Para quem absorveu os ensinamentos de Stephen Lewis e Fernando Henrique, a inconveniência absoluta de sugerir fidelidade e abstinência salta aos olhos. É de uma clareza lógica formidável, não é mesmo? Só aquela besta do Museveni é que não entende. Ele e a mulher dele. Também, que se pode esperar de uma idiota que acredita no marido? Além de preta, a cretina é cristã. Só falta agora quererem que a gente leve a sério Nossa Senhora Aparecida e a Condoleezza Rice.

Já o relatório da Human Rights Watch enfatiza outro aspecto ainda mais repugnante da campanha ugandense: ela é feita -- oh, horror! -- com verbas doadas pelo governo americano. É verdade que, no planeta inteiro, os EUA contribuem mais para o combate à Aids do que todos os demais países somados. É verdade, portanto, que a maioria das campanhas anti-Aids em todo o mundo são feitas com dinheiro americano. Até as verbas distribuídas pela própria ONU para esse fim vêm quase todas da mesmíssima fonte. Mas ninguém precisa se rebaixar ao ponto de aceitar, junto com os dólares de Washington, a sugestão maldosa daquele outro casal de carolas, George W. e Laura Bush, de que camisinhas às vezes furam e de que em vez de apostar exclusivamente nelas a vida e a morte, talvez valesse a pena controlar um pouco o desejo sexual.
Uganda, cedendo a essas insinuações, refocilou na lama. Países altivos, briosos, dotados de amor próprio, pegam a grana e mandam George W. Bush enfiar sua religião naquele lugar – com camisinha, é claro. Ou então fazem logo como o Brasil, que rejeita o dinheiro. Se vocês não se lembram, a USAID, pouco tempo atrás, ofereceu 48 milhões de dólares para ajudar o nosso país a comprar remédios para os aidéticos, mas impôs uma condição: que do texto do convênio não constassem palavras que parecessem legitimar a prática da prostituição. O governo petista, que tem dignidade para dar e vender -- sobretudo para vender --, não se curvou à imposição degradante. Ser contra a prostituição? Jamais. A reverência ante as marafonas é, entre os políticos brasileiros, arraigada como o amor filial, chegando, em muitos deles, a confundir-se com esse sentimento. Em outros é, como a camisinha do sr. Lewis, uma questão de princípio. Quarenta e oito milhões de dólares é um bocado de remédio para aidético, mas para que fazer uma concessão aviltante à moral burguesa -- sobretudo americana, éeeeca! --, quando se pode facilmente subsidiar a honra dos puteiros pátrios com equivalente quantia em moeda nacional extraída aos contribuintes? Vocês todos, leitores e não leitores, pagaram 48 milhões de dólares para o governo nacional não melindrar as – como direi? -- prestadoras de serviços eróticos. Tudo pelo direito zumano, né mermo?
"

Que país é esse? (1)

O título sugere que haverá mais posts com a mesma indagação. É isso mesmo! Leiam o texto transcrito abaixo, extraído do site www.nominimo.com.br e vejam se o título não é pertinente. O problema é que eu penso e digo a frase título todos os dias, às vezes até mais de uma vez.

"O lado certo da vida errada

Marcos Sá Corrêa

04.12.2005 - Para quem foi à Bahia menino, lá pelos anos 50 ou 60, nada tinha mais gosto de pimenta do que a visita ao Instituto Nina Rodrigues, onde ficavam expostas, em pedestais parecendo bandejas de frutas, as cabeças mumificadas do bando de Lampião. Eram escuras, murchas, de feições irreconhecíveis. Teoricamente estavam ali para provar, segundo o diretor Estácio de Lima, que o cangaço não foi uma erupção espontânea de criminalidade, gerada no sertão nordestino por bandidos “natos, lombrosianos”, mas o produto de causas “sociais, políticas e econômicas”. Patati-patatá. Os adultos e sobretudo as adultas passavam batidos pelos troféus da medicina legal. Mas a infância, sendo no fundo uma forma volátil da selvageria, tem suas prerrogativas no exercício da curiosidade mórbida. E todo garoto que se prezasse esticava a visita, encarando o capitão Virgulino Ferreira, sua mulher Maria Bonita e os jagunços mitológicos etiquetados com seus apelidos de eternos imaturos: Corisco, Zabelê, Canjica, Azulão... Acabaria levando para sempre na cabeça aquelas cabeças. E mais tarde, muito depois de enterradas em 1971 por exigência de seus herdeiros legais e dos novos estatutos acadêmicos de decoro antropológico, elas lhe serviriam para lembrar que os soldados das volantes que decapitaram os cangaceiros eram, a rigor, farinha do mesmo saco. E nada que viesse a aprender depois sobre o labirinto sombrio em que, no Brasil, policiais e bandidos se enfrentam e se confundem teria a força desse encontro direto com a violência primordial. Nisso, pelo menos, o presidente Lula tem toda a razão. O livro da vida às vezes nos ensina alguma coisa. Mas nem tudo. Não ensina, por exemplo, a escrever sem enfiar dois erros e uma valente licença estilística em oito palavras, como ele fez esta semana no Conselho de Segurança Alimentar. “Tem demandas do Conselho que precisa ser discutido”, o presidente anotou à mão num papel que os brasileiros jamais leriam, se não passasse pelo olho clínico do fotógrafo Gustavo Miranda.Deixando de lado a troca do “há” pelo “tem”, a frase de Lula seria assunto para uma CPI do Analfabetismo Funcional, se o país já não andasse metido em tantas CPIs. É pena, porque se perde a oportunidade de esclarecer o que está acontecendo no governo. Melhor e mais rápido do que as outras comissões parlamentares de inquérito, ela arrombaria a trama de dissimulações que, tudo indica, a equipe de Lula foi tentada a montar em torno dele, para manter as aparências de um presidente em cujas mãos as demandas do Conselho que precisam ser discutidas viram “demandas do Conselho que precisa ser discutido”. Com um presidente que escreve assim, o governo Lula tem mesmo que ser o governo alheio – de José Dirceu, de Dilma Roussef, de Antônio Palocci, de quem estiver disposto a fazer o que ele não faz. Nesse caso, é até verdade que ele não sabe bem o que acontece em sua administração. Reservou-se para as figurações simbólicas do cargo. E a conspiração dos cupinchas, armada para poupá-lo do serviço pesado, acabou por embrulhá-lo em documentos que nunca lê e em assuntos técnicos que não digere.Diante das “demandas do Conselho que precisa ser discutido”, a versão de Lula para a própria crise fica mais plausível. Vai ver, ele é mesmo inocente de quase tudo. Só é culpado de estar sentado onde não deve, fingindo fazer o que nunca fez, enquanto seus amigos fazem o que não devem. No máximo, a oposição poderia acusá-lo de falsidade ideológica. E o país ganharia fôlego para tratar de coisas mais graves, como os sinais de que, por baixo da marola política, o mar começou a virar sertão.Senão, vejamos. Na sexta-feira em que o rascunho de Lula saiu no “Globo”, outro manuscrito anunciava nos jornais a execução sumária de quatro criminosos que incendiaram um ônibus no Rio de Janeiro para matar seus passageiros. O texto, assinado pelo Comando Vermelho Rogério Lemgruber e atribuído pela polícia ao traficante Marcelinho da Vila Cruzeiro, tem mais palavras e menos erros de concordância que o rascunho do presidente. E isso é o de menos. Os corpos foram encontrados num carro roubado. Ultimamente, no Rio, a imprensa deu para publicar as fotografias de cadáveres, quando os criminosos que a cidade procura são mortos pela polícia. Presume-se que sua exposição tenha caráter didático, como a dos cangaceiros no Instituto Nina Rodrigues. Pelo visto, a moda pegou. A encenação coreografada esta semana por Marcelinho da Vila Cruzeiro tinha mais ou menos o mesmo estilo da sangueira exemplar. Quem providenciou os quatro cadáveres ligou para a Delegacia de Repressão a Entorpecentes, comunicando a entrega dos corpos. A chefe do Serviço de Investigações da delegacia, inspetora Marina Magessi, viu no telefonema uma prova de respeito ao trabalho dos policiais. O cartaz do C.V.R.L anunciava a próxima execução. Do condenado já se sabe que é branco e manco. Tem cerca de 20 anos. Comando o tráfico do Morro da Fé. E se chama Lorde. A seu respeito só se desconhece o que a Secretaria de Segurança prentende fazer para prendê-lo antes que o tribunal do Morro da Chatuba ponha as mãos nele.Pintada em letras de forma num pedaço de papelão, a mensagem do C.V. R.L., o “lado certo da vida errada”, não se esqueceu de mencionar a “fé em Deus” que inspira seus atos. Num estado governado por um casal de evangélicos, que também usa a “”fé em Deus” para quase tudo, a invocação soa como o aviso definitivo que de que tudo, de repente, anda fora do lugar, como no tempo em que os soldados forneciam cabeças de cangaceiros a criminalistas e antropólogos. Vai ver, estamos todos no lado certo da vida errada."