7.2.06

Liberdade e consequências

Os muçulmanos estão em polvorosa e a Europa em estado de alerta. Tudo por causa de uma charge sobre Maomé publicada em um jornal da Dinamarca. Mas não vamos minimizar a coisa.
Existe um princípio para se apurar a gravidade de uma ofensa, além do intuito do ofensor: a dignidade do ofendido. Pois bem. O ofensor, por mais que não tivesse a intenção de ofender, fê-lo e não se retratou. A dignidade do ofendido é que faz a diferença neste caso, e aí entra também o aspecto subjetivo da mensuração da dignidade pelo próprio ofendido. A ofensa foi dirigida a um povo que tem na religião a razão de sua vida - e de sua morte. Pior: foi dirigida ao "dono" da vida e da morte para esse povo - aquilo que lhe é mais caro e, portanto, mais digno, por mais que os outros pensem de maneira diferente.
Pronto. Acendeu-se o estopim. O consulado (ou embaixada, não me lembro agora) da Dinamarca foi incendiado no Líbano e outros prédios diplomáticos estão cercados em outros locais, já há promessas de atentados contra o povo dinamarquês e europeu em geral, juras de vingança, etc. E qual o motivo de tudo isto? Um ato inconsequente, uma piada desrespeitosa.
Desrespeitosa sim, porque sabidamente iria se constituir numa ofensa ao povo muçulmano. A Dinamarca, como a comunidade européia, é laicista, pelo que a liberdade de crença deve ser respeitada (assim como a liberdade de imprensa, que não pode colidir com os direitos individuais). Sem dúvida, houve uma ofensa - não retratada - ao povo muçulmano, e a toda ofensa cabe uma reparação. Você mexeria publicamente com a mulher do Fernandinho Beira-Mar, na frente dele e dos amigos? A desditosa charge foi mais ou menos isso. Talvez pior.
O exercício de liberdade – inclusive a de imprensa – supõe que a partir de um ato livre, também as conseqüências deste ato tenham sido avaliadas e sejam livremente assumidas. Neste caso, entendo que a liberdade foi exercida com imprudência, mas o fato de não se ter feito a retratação pleiteada demonstra que estão preparados para as conseqüências dos seus atos. Ou não se sabia de que forma o povo muçulmano iria cobrar essa reparação?
Para um ocidental, que vive sob um sistema de justiça que preserva a vida e garante o devido processo legal aos acusados, e ainda estabelece limites pautados no princípio da razoabilidade para as reparações morais, as consequências podem ser penais e/ou pecuniárias. Já para um muçulmano ofendido...BUM!!!!

Condenada à tristeza

Vi hoje nos noticiários da TV cenas de Suzane Von Richtofen (saúde! é assim que se escreve?) numa praia em Ubatuba-SP. Vi também Suzane ser condenada pelos jornalistas porque "estava sorrindo", "entrou na água" e "parecia feliz".
Em que mundo nós vivemos, onde jornalistas querem fazer papel (papelão?) de Juízes? Sim, ela, juntamente com os Cravinhos, matou seu pai e sua mãe. Um crime bárbaro, sem dúvida, mas o que se esperava que ela fizesse quando saísse da prisão, após mais de três anos? Se enclausurasse por conta própria? Não sorrisse mais? Convenhamos... reportagens deste tipo (e outras tantas injustas e ofensivas que parecem ter virado pauta constante) só servem para fomentar nos telespectadores sentimentos ruins. O que se pretende com tais matérias? Encher a pauta ou fazer crescer o ódio popular contra Suzane? Controlar externamente o Judiciário, através da pressão popular? Tudo por causa de um passeio na praia, entremeado de mergulhos e sorrisos?
Cuidado imprensa. Suzane era algoz; poderá se tornar vítima...

6.2.06

Comentários infelizes

A respeito de um pedido do Cabelo, fiquei de comentar um artigo do Artur Dapieve que outrora foi publicado no "O Globo". Li o artigo uma vez e quando fui ao link novamente para comentá-lo, já não era mais o mesmo artigo que estava lá. Paciência. Vou comentar o que me lembro.

Lembro que o artigo concordava que o Lula se utilizasse das obras que vem fazendo para trazer a si possíveis votos. A justificativa era a mesma de Lula, algo como: "Se eu não fizer as obras necessárias, isso será aproveitado pelos meus adversários." "Se eu fizer e for criticado, que seja por algo que fiz ao povo". Claro que minhas frases são melhores que as de Lula, mas a idéia é a mesma.
Pois bem, o problema não é utilizar as obras para fins eleitoreiros. Lula está sendo criticado porque os recursos para tais obras ou foram retidos ou - pior - existindo, não foram aplicados a tempo e a hora por incompetência própria e de seus incontáveis ministros. E isso não se aplica só aos remendos não licitados para as péssimas estradas. E agora, a toque de caixa (caixa 2 ?) as obras vão saindo e Lula aproveitando... A pergunta é: As coisas precisavam ter ficado paradas até agora? A resposta é: Precisavam, pois Lula não quis melhorar "este país"; quer sim é se reeleger.
Tivesse um ano a mais de mandato, nosso (in)digníssimo presidente (minúsculo, sim) deixaria tudo para esse último ano. E até então o povo sofre... Metaforicamente, ao gosto do lula (cada vez mais minúsculo), "é como um médico que pode curar com comprimidos em 5 dias, mas prefere fazer sofrer até realizar uma cirurgia de amputação no 6º dia, bater no peito e dizer que te salvou".

Outro comentário que me chamou a atenção foi uma menção ao que seria um "erro": priorizar o transporte rodoviário em detrimento de outras modalidades. Ora, com o mínimo de conhecimento histórico é possível perceber que a integração nacional se deu em função das rodovias (densidade demográfica variável entre as regiões não é sinal de falta de integração). Não sejamos ingênuos para acreditar que trens cumprissem esse papel. Ademais, quem iria imaginar que a carga tributária e os subsídios que persistem até hoje aos usineiros de álcool fossem tornar os combustíveis tão caros? Quem iria imaginar que a fiscalização de pesos de cargas e a manutenção das estradas fosse relegada por tanto tempo? Quem iria imaginar que as estradas - por desídia governamental - fossem todas acabar ao mesmo tempo, para depois terem de ser praticamente refeitas? Quem iria imaginar que a corrupção fosse retirar toda a qualidade necessária para se manter a malha viária transitável?
Quando a construção, fiscalização, manutenção e conservação das estradas são bem-feitas, os custos globais são menores, desde a infra-estrutura até o preço final do frete. E isso não é um erro, mas uma opção.

Finalmente, quanto ao comentário de que Geraldo Alckmin frequenta o Opus Dei, "entidade ultraconservadora da igreja católica", em tom depreciativo.
Primeiro, até mesmo o Padre Marcelo (que todos têm como progressista, mas que usa batina ou "roupa de padre" durante todo o dia, ao contrário de certos clérigos que não assumem sua condição ao se vestirem como leigos) está alinhado com a Igreja nas matérias ditas controvertidas: aborto, contracepção, camisinha (promiscuidade), eutanásia/distanásia, celibato, casamento homossexual, adoções por homossexuais, etc. O que não pode ocorrer é confundir por ignorância ou propositadamente o Estado laico com um Estado ateu. Ao criticarmos qualquer pessoa por seguir uma religião, estamos violando o artigo 5º da Constituição Federal. O Estado é laico justamente para garantir aos cidadãos a plena igualdade no exercício de seus direitos e no cumprimento de seus deveres, independentemente da sua religião. E nem se alegue que seria um "perigo" um Cristão católico, evangélico ou espírita, ou mesmo um Budista, Muçulmano, politeísta, panteísta ou ateu, assumir a Presidência da República. Primeiro porque o laicismo do Estado é cláusula pétrea da Constituição; segundo porque por trás de um Presidente sempre haverá um Congresso independente e representante dos interesses do povo que o elegeu. Por exemplo, se o Presidente for contra o casamento gay e o Congresso decidir aprovar uma lei que o autoriza, mesmo que o Presidente vete a lei, o veto Presidencial poderá ser derrubado.
Ser coerente com sua religião - qualquer uma - não é um defeito, antes é uma virtude que demonstra o caráter da pessoa. E mais ainda de alguém como Geraldo Alckmin, que ultimamente tem sido criticado por ser católico mas não deixa de sê-lo e de dizê-lo coerentemente. Lula não tem sequer coerência consigo mesmo, ao freqüentar não como Chefe de Estado, mas como indivíduo, cultos das mais diversas religiões. Tudo atrás de votos! É um cara-de-pau, pra dizer o mínimo! Tão cara-de-pau que iria levar, na sua comitiva, ao Vaticano uma mãe-de-santo! Louvável o ecumenismo tão defendido pelo Papa João Paulo II, que foi homenageado pelos representantes das mais diversas religiões que por sua conta e às suas expensas o fizeram. Nenhum Chefe de Estado teve a pachorra de fazer o que o Lula queria fazer, ou o Lula achou que poderia ser um novo líder religioso através do seu ato indelicado?
É assim que se vê de que material é feito um homem: Geraldo Alckmin de granito, inamovível; Lula de areia, vai ao sabor do vento.
Certamente não votarei no Lula. Votarei, no entanto, em outro candidato - que pode ou não ser Geraldo Alckmin - sem levar em conta sua religião, pois acho de fato irrelevante tal análise, preferindo avaliar o histórico do candidato - o que fiz muito mal nas últimas eleições, confesso. Com efeito, num Estado Laico a religião seguida pelo candidato não pode, sob pena de restarem feridos de morte os princípios básicos da liberdade individual, ser objeto de mérito ou demérito.